sexta-feira, setembro 29, 2006

Não é que queira mudar o mundo

E nem quero.
Já aprendi, aliás bem cedo, que sozinho não posso, e era até pateta que o conseguisse fazer, eu ou qualquer um individualmente - devia de ser uma coisa bonita de ser ver um mundo constantemente mudado só porque a real gana individual do Zé ou da Francisca assim o queria! Termo-nos que submeter à vontade caprichosa de uma mentalidade individual, mesmo que errada, é coisa que encontra eco reforçado no processo eleitoral, e eu, quem me conhece sabe, até nem acho que todos os votos devam valer o mesmo... mas não é a revolução da democracia que me traz aqui. Afinal... eu disse que não queria mudar o mundo.
O que me traz aqui é de ordem um tanto ou quanto diversa, se bem que ainda muito portuguesa.
Estava eu nas minhas deambulações caseiras, coisa que ultimamente tenho feito bastante, quando dou com a minha mãe de exílio na cozinha "a ver tourada!", como ela muito enfaticamente o põe.
A mulher gosta daquilo, o que é que hei-de fazer?
Não me enche de orgulho, mas também não me envergonha. Cada um é livre de gostar do que queira, penso eu, até mesmo quando isso é nocivo à sua saúde, como é o caso da tão recente cruzada anti-tabágica, por exemplo.
Assim, da mesma forma que acho que cada um é responsável por assumir as suas escolhas em termos de saúde, sem que as imponha a outros, igualmente responsáveis, acho também que esta coisa das touradas tem ainda algum pano para mangas.
Compreendo os acérrimos defensores, que argumentam a manutenção da espécie, o cariz tradicional e/ou cultural do "espectáculo", até os acompanho mesmo quando, face a uma daquelas manifestações de utópicos pseudo-intelectuais de esquerda à porta do Campo Pequeno, eles se revoltam e alegam que "só vem quem quer"! Eu faria o mesmo se visse uma manifestação anti-futebol à porta do estádio quando estivesse ansioso por ver o meu clube jogar.
Também consigo ver os argumentos opostos: é um espectáculo violento, descabido do tempo em que se vive, que exporta uma imagem da cultura portuguesa como um povo bárbaro, ao nível de outros países que se deleitam com lutas de galos e cães, ou que tiram particular gozo do espectáculo gratuito da tortura.
Mas, não sei se faço bem, desculpo uma coisa com a outra, meto-lhe uma pitada de liberdade à mistura, assimilo ambos, e "deixo andar", mais que não seja... porque não quero mudar o mundo.
Ora, mas nestas coisas de não querer mudar o mundo, temos também que compreender que não se pode igualmente deixar o mundo desgovernado. Ou, por outra, se bem que não seja possível mudá-lo todo de uma vez, vamos, voluntaria ou involuntariamente, pelas nossas relações do dia a dia, "afectando" algumas pessoas, ou seja, mudando-as.
É natural.
Neste caso, não querendo mudar ninguém em particular, quanto mais o mundo inteiro, enquanto a minha mãe "via tourada!", franzi como de costume o sobrolho. Ela, como sabe o que penso sobre a dita, desculpou-se "ó filho, a mãe gosta de ver isto...", referindo-se, como todas as mães fazem quando sabem que estão a pisar terrenos incertos na opinião dos filhos ou quando precisam de puxar a autoridade parental para desculpar uma atitude menos compreendida, a si própria na terceira pessoa.
Mas mãe, eu não tenho problema que vejas touradas. Por mim, até havia um SicTouradas só para ti, a sério. Sabes o que me custa?, é que a tourada esteja classificada pela Direcção-Geral de Espectáculos para maiores de 6 anos de idade.
Eu pessoalmente não quero dar a um filho meu a lição de que é fixe, e até aplaudimos, quando espetamos um ferro no lombo do Rufus. Eu não gostava nada que ele se virasse para mim e me pedisse que lhe tocasse na viola um passedoble quando o Miau aparecesse de pescoço à banda na boca do Átila.
Não é por mal, mas eu não acho que uma criança tenha o discernimento necessário para saber o bem do mal ao ver um espectáculo daqueles - é como se diz... são crianças, ainda não têm lá muita maturidade...
Tendencialmente, presumo que o pobre rapaz sairá dali bastante confuso, se por um lado sempre lhe ensinaram que não se devem maltratar os animais, mas por outro o pai e a mãe saem de lá contentes...
Eu não quero mudar o mundo, e se quisesse, acreditem, outros argumentos bem mais fortes surgiriam à baila.
Eu só quero que, pelo menos, por respeito às crianças, em nome das quais hoje em dia se fazem as maiores atrocidades (e desculpem-me por parecer um anúncio anti-tabágico que prostitui a imagem de uma criança para atingir os seus pais), mas, por respeito às crianças de cujos pais a responsabilidade não abunda, como aqueles que fumam mesmo ao pé do berço, ou outros que não hesitam em levá-las no acento dianteiro do carro ou da motorizada sem cinto nem cadeira nem capacete... não façam do Forcado Fernando um exemplo!, Touradas, só depois dos 16!

___________
NPAF

3 Comments:

Blogger Vanessa said...

Mai nada!!
A isso junto o direito d escolher s querem ou nao ser baptizados e afins. Como pagar as cotas do Benfica ao petiz que inda n tem uma semana.. :P

Cada um sabe d si. Portanto Liberdade para TODOS!!!

1:48 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

liberdade para todos... mas só acima dos 16 anos? com 15 não tenho o direito de gostar ou não, mas com 16 já?
são questões muito difíceis, há quem considere que um feto dentro de uma barriga é já uma pessoa, outros consideram que só o são a partir dos 16 anos. porque "todos" admite "toda a gente", e a única forma de respeitar "todos" deixando os menores de 16 anos de fora é... não os considerando pessoas? sei lá, digo eu.

11:51 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Não sei rapaz... acho que aqui defini os 16 como possibilidade legal, mas, respondendo à tua pergunta... aqui há uns tempos, numa discussão com um tio meu, ele teimava que as crianças não sabiam o que queriam. Conversa típica, macho português, as crianças sabem lá agora o que querem... eu contrapus que não era da mesma
opinião, que achava que sim, elas sabiam muito bem o que queriam, ao que ele, triunfante, replicou "então mas tu achas mesmo que uma criança de 7 ou 8 anos sabe o que é melhor para ela?!", ao que respondi, "não, claro que não, mas sabe definitivamente que quer um bife com batatas ao invés de pescada cozida com bróculos".
Daí, não falando especificamente de ignorar a "pessoalidade" de cada um, há, penso eu, que convir, que não se podem atribuir responsabilidades sobre certos actos até certa idade... a questão do aborto, bem como muitas outras, poderá estar, penso eu, numa fronteira da definição dessa linha difusa entre a imputabilidade e a inimputabilidade...

Contraponham-me! Do debate sai a luz! :)

5:46 da tarde  

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