domingo, fevereiro 19, 2006

Desencontros


É tarde, tenho que ir.
E despediu-se dele com um beijo, um beijo furtivo e cativo, que se arrepende do pecado e se abre ao desejo.
Adeus, disse ele, e ficou a olhar para ela à medida que apressava o passo sob a chuva miudinha de outono que caía lá fora.
Meteu a chave à porta, com muito cuidado. É tarde, pensou. A fechadura encravou, merda de porta que nunca abre como deve de ser. Vou acordá-lo. Mas não era preciso. Quando entrou já ele estava na sala, luzes apagadas, o pirilampo laranja do cigarro denunciava uma presença que queria ser notada.
Fez-se silêncio. Olharam-se no escuro. De um lado a luz dos candeeiros da rua que passava pelo postigo de vidros opacos esbatia o corpo tenro de uma mulher a entrar nos trinta, do outro, um bafo de cigarro que iluminava um rosto ríspido e triste com a barba rala por fazer.
Estás acordado, disse ela a medo.
Sim, não conseguia dormir.
Bem, eu vou-me deitar. E caminhou no escuro rumo ao quarto.
Estavam separados, muito embora ainda vivessem no mesmo tecto. A coisa até nem foi muito complicada. Não houve uma traição, uma desavença incurável, uma ofensa ou falta de respeito. Simplesmente acabou. Assim, do pé para a mão. Acabou como um maço de cigarros.
Os mesmo que se consumiam na sala sob a forma de tristeza .
O amor tem destas coisas. Manca o pé de um viajante se os dois caminharam o mesmo trilho, quando se separam.
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NPAF

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

manca e bem...

4:19 da tarde  

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