segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Um texto que fiz há algum tempo para uma revista, e que até achei interessante pôr aqui, a ver se a coisa anima


A minha experiência com a cannabis começou em tempos de universidade. Foi lá que comecei a fumar os primeiros charros (numa casa de fotocópias à qual íamos, dizia-se “ver os amigos, e aproveitamos, tiramos umas fotocópias”), e a minha iniciação foi de facto positiva: sempre numa onda que eu defino como “boa”, não havia stresses se querias ou não fumar, não havia pressões sociais ou qualquer tipo de retaliação – queres fumar, és benvindo; não queres, continuas a ser benvindo (embora mais tarde eu me tenha apercebido que, mesmo sendo benvindo, há uma diferença de “ondas” entre o estar e não estar fumado que afasta inevitavelmente as partes – mas sem rancores ou hostilidades). Reitero a ideia: foi uma “boa” iniciação.

Acontece que durante o “auge” da universidade, morava eu numa residência universitária, foram para lá uns erasmus, dois espanhóis e um italiano - que quando de lá saiu, 6 meses depois, percebia menos de português do que quando para lá entrou. O quarto onde eu e mais um amigo estávamos era a modos que Bagdade: o axis mundi onde havia tudo menos multibanco e internet, e só não tínhamos multibanco porque não havia internet. De resto, era o sítio onde o pessoal ía depois do jantar para beber um café (sim, tínhamos máquina de expresso) ou uma mini (sim, no frigorífico escondido dentro do armário porque não era permitido, vá-se lá saber porquê, ter frigoríficos no quarto), e, inevitavelmente, fumar um ou três charutos.

Das estórias que por lá se passaram, se me lembro de metade, já é muito bom; e se dessa metade fosse a contar outra, o espaço estender-se-ía por demais. Lembro-me que, por cima da minha cama havia uma luz branca fluorescente, pequena, cujo candeeiro desmontámos para lhe aplicar um filtro de luz que um amigo nosso de teatro nos arranjou. Um filtro cor de laranja que, quando a moca era já elevada e os pés começavam a levantar-se com vontade própria subitamente do chão, nos dava a sensação de estarmos estendidos ao sol de Marrocos: deitávamo-nos na cama com a cabeça para os pés (da cama), mãos cruzadas atrás da cabeça, aquele sonzinho bom a tocar na aparelhagem, e, juro-vos, não sou só eu que o digo, naquele momento o tapete voador erguia-se flutuante e transportava-nos até às praias douradas da costa marroquina, onde o Mediterrâneo e o Atlântico se cruzavam sob o pano de fundo de um sol quente e acolhedor...

Certo dia fomos ver Manu Chao a Lisboa, frente aos jardins de Belém. Ora, numa viagem atribulada que começou com uma sardinhada onde o meu pai ficou 20 anos mais novo, passando pela visita à taberna de um primo meu, onde ele nos ensinou a falsificar aguardente velha, e até chegarmos a Lisboa, onde, em frente a um polícia que passava atrás de mim, eu, na minha inocente ignorância, gritava em altos berros 'Não!!, eu é que fiquei com a droga na mala!!., vá, despachem-se que já está pronto a rebentar!!” (... sim, infeliz...), a noite culminou em grande, numa multidão unida pela música e pelo cheiro a “sardinhas assadas”, como o DN noticiara no dia seguinte, e pelo bom feeling de um dia bem passado.

A meio do concerto, e depois de eu fazer (mais) um charuto a meio de uma música agitadíssima, toda a gente a saltar a meu lado, e eu, com a sopa na mão, não recebi, espante-se, um toque sequer, um dos músicos, o trompetista, desata a fazer rap numa outra língua, que eu entendi como italiano. Depois, do concerto, toda a gente a comentar, e viste aquele gajo assim, e o outro assado, eu digo, olhem, curti bem foi o tipo do trompete, a fazer rap em italiano!

Espanto geral! Todos olham para mim, sorrisinho ao canto da cara, não era italiano, drogado de merda, era marroquino! E riram-se, compulsivos e mocados, como aliás se faz sempre que apanhamos a bacorada de um. E eu ateimei, não, aquilo era italiano, vocês é que são uns drogaditos, e isto e aquilo..., o que não me valeu de grande coisa. Recorrentemente, quando nos púnhamos a lembrar estórias da moca, lá vinha o Ghande (que sou eu) que pensava que o marroquino era italiano, e que vê lá a moca do homem, enfim... o habitual. E eu, a páginas tantas, pensei efectivamente: se todos dizem que a parede é branca e só eu é que a vejo preta, às tantas eles têm razão, aquilo era mesmo marroquino e eu é que estava muito para lá de Bagdade concerteza!

Eis senão que um belo dia, mandou a sorte ou o azar, de eu estar a fazer um zapping vegetativo, e dou de caras com certo sujeito a falar no trompetista siciliano de Manu Chao, que faz rap em siciliano!! Imagine-se o meu ar de espanto, a minha dignidade vingada após tanto tempo, a vir ao de cima à medida que pego no telefone, e, singularmente, ligo a cada um deles e digo, 'sabes amigo, passou-se assim assim, e o sujeito, vá-se lá a ver, ERA SICILIANO, TOPAS?!! o que só pode significar uma coisa: afinal, quem é que era o drogadito ali, hein?!!!'.

Ah!, e era uma pergunta retórica.

_______________

NPAF

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

pois...

4:23 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home