quinta-feira, abril 13, 2006

Dois apontamentos sobre a alma humana - diversão sem intenção moral, mas com intencionalidade

I

Às quatro da manhã olhei para o relógio de esguelha. Ou era da pilha, ou da falta de luz, ou da bebedeira que tinha em cima, não sei bem, mas só após alguns segundos é que consegui ver bem as horas que eram.
Saí das Amas passado uma hora ou duas desse episódio (o tempo é tão fátuo quando estamos bêbados - ora tão lento que atroz, se a camada assenta mal, ora rápido e fugaz, se a coisa está a derivar para uma celebração da amizade).
A noite estava convidativa, por estes lados em meados de Maio já o tempo apetece, e, naturalmente, caminhei para casa.
Na cabeça, a música. Não aquele transe psicadélico, música de viagem, mas outra: Tony de Matos!
Pois é, não tenho vergonha de o assumir: gosto de Tony de Matos, mas só de algumas músicas. Acho vulgar quando ele se põe a esganar a voz, a exibir-se qual pavão, a puxar dos agudos naquela rouquidão limpa, o galã português que fuma o seu cigarro num canto escuro. O proscrito que todas as mães gostariam de ter como genro.
A propósito ainda do Tony de Matos, lembro-me uma vez, era chavalito, começaram a surgir em Portugal aquelas pulseiras manhosas que diziam que eram polarizadas. Um coisa de arame com duas bolas nas pontas... Quando apareceram essas pulseiras, a publicidade em flyers estava também a dar os seus primeiros passos. E nas caixas do correio da altura surgiram uns papéis que diziam que quem usasse aquilo podia vender saúde. E figuras públicas anexavam a sua imagem ao produto (ou vice-versa), a dizer "isto é uma coisa excepcional!", e afins.
Acontece, para resumir, que uma dessas figuras públicas era o Tony de Matos.
Lembro-me pictoricamente: "Desde que comecei a utilizar a pulseira XPTO, nunca mais tive dores nas articulações!". E um Tony de Matos sorridente e sem dores aparecia na fotografia anexa.
Passados dois dias de aquilo entrar na caixa do correio do meu avô, zás!, Tony de Matos morreu. Não pude deixar de achar irónico. Um pouco como as excursões a Fátima em que lerpam autocarros inteiros que caem de ravinas. É irónico. Deus tem mesmo um sentido de humor brutal.

II

No Largo Luís de Camões, ali ao pé da Electrilar, a primeira dúvida: esquerda ou direita?
Eu explico: para mim caminhar em Évora é uma coisa que me dá gosto. Há sempre um pormenor ou outro, um recanto que nunca se viu. E de noite, já dizia o Vergílio Ferreira (e se ele o disse, é porque é verdade, caso contrário não recorreria à sua autoridade evocando o seu nome), nesse romance que nunca consegui ler até ao fim, a "Aparição", de noite, Évora é um mimo! Principalmente porque de noite os eborenses estão em casa, logo, a cidade toda ela se torna mais digna.
Passo pelos arcos da Rua João de Deus. Só ouço os meus passos. Os meus passos e o Tony de Matos. Tenho traquejo de cidade grande, estou sempre à coca para não ter surpresas.
A Praça do Giraldo abre-se como uma paisagem magnífica. Cheira a flores, é quase Verão. Um casalinho come-se no mármore da fonte, finjo que não vejo (afinal de contas, quem nunca pecou?).

Flash!
E fico parado ali, no meio da praça.

Ligo o piloto-automático, vou pelo Rossio, o ar faz-me bem.
Entro em casa. Caio na cama. O Tony de Matos canta só para mim.
E, naturalmente, sonho contigo.

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NPAF

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

hi man, o tony é que não... :s

1:29 da tarde  

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