quinta-feira, março 30, 2006

Sem intenção particular



A cadência das gotas de água contrastava com o calor que se fazia sentir.

Abafado. Intenso.

Nada a ver com a chuvada que caiu há cinco minutos atrás.

A chuva no Verão é, aliás, sempre uma coisa diferente. Parece que apetece remoer o dia e ficar na cama ainda a cheirar a sexo acabado de fazer.

Ambos fumamos, mas cada um está na sua pequena introspecção egoísta. É aqui que se separam os mundos fingidos. Depois do amor, se não há nenhum, não há maneira de o esconder. Apenas uma sensação mista de satisfação e vazio a rondar o estômago e a alma.

Mas, regra geral, o sono apaziguador e relaxado que sempre aparece passa uma esponja por cima de tudo, e é mais fácil esquecer.


***

Foi com surpresa que te vi passar.

Tu nunca me dizes nada a não ser que precises de mim. Por isso nem sequer te chamei. Pensei, deixa lá estar a rapariga, ela que vá à sua vida que eu vou à minha.

E foi com ainda maior surpresa que, já eu pensava que me tinha safado, te ouvi chamares o meu nome.

Um pouco trémulo (sabes que começo a tremer de sítios improváveis quando fico nervoso), virei-me, o meu rosto devia estar completamente desamparado...

Na cabeça, o Manuel Cruz já tinha falhado a entrada duas vezes. À terceira foi de vez....

E foi assim que naquele dia me me chegou às mãos um recibo carimbado e assinado por cima. Era oficial, mesmo que o soubesse: a minha segurança assentava sobre um postulado metafísico!




***

Um dos meus problemas maiores, daqueles fulcrais, que não se vêem mas interferem muito, sempre foi a ingenuidade.

Talvez quem pense que me conhece se ria. Talvez quem pense que me conhece terá a reacção de dizer, olha-me este gajo armado em cínico!, logo ele, que é um jogador!...

Mas não. Não sou um jogador. Quer dizer, não sou parvo nenhum, e sei perfeitamente como ser porco, só que simplesmente não o sou, acho que não vale a pena vender assim a alma ao Diabo.

Daí que diga que sou bastante ingénuo. Facilmente acredito na boa-vontade dos outros. Facilmente me compadeço e dou oportunidades sem fim. Enfim, sou um panhonha, é o que é! Mas não consigo deixar de ser assim. É intrínseco. Intrinsecamente panhonha!

Está bom de se ver que, com este feitiozinho, qualquer um que me queira passar a perna, pode fazê-lo sem dificuldades de maior...

Bem... uma introdução tão grande antecede algo de maior, é sempre de desconfiar tantas justificações sem que ninguém as peça... aqui não é diferente.

Eu sou ingénuo. Acredito no amor. E já tive algumas estórias com ela. Por acreditar magoei-me. Mas, que raio, acredito sempre.

Estúpido, não? Eu pelo menos, acho.

Por saber que sou assim é que, antes que o soubesse, já me tinha apaixonado de novo.



***

Foi numa noite que cheirava a terra molhada, quente, que os nossos corpos mataram saudades.

É incrível como há coisas que nos marcam como chicotadas.

O cheiro do teu corpo. Passados tantos anos nunca esqueci o cheiro do teu corpo.

Um cheiro bom, acolhedor, como se entrasse em casa.

Há casas que têm cheiros estranhos, que nós em entrando nos sentimos deslocados.

Mas o teu corpo não.

O teu corpo cheirava-me a casa.

Cheirava-me a conforto e paz. A segurança e placidez. A sopa a ferver no fogão. A laranjas no Inverno. A manhãs radiantes de Páscoa. À voz do meu avô a entrar aos domingos de manhã com um bolo para comermos ao pequeno-almoço. Ao rodar das tuas chaves na porta. À seca que acabava nos teus lábios.

“Já tinha saudades do teu corpo.”

“E eu do teu, tantas...”

“Não percas a tua fé. Há sempre uma mãozinha que nos põe no caminho um do outro, já viste?”

“Pois, a questão é que eu acho que já não acredito em mãozinhas...”

“E isso é culpa minha...”, e baixaste os olhos enquanto nos abraçámos num sufoco contido.



***

Depois de muito pensar, ainda estava magoado.

E quando apareceu a outra, nem hesitei: é uma tipa porreira, dá para manter uma conversa, faz umas massagens fantásticas, o sexo é bom, há uma química interessante... pronto, volta e meia finge um orgasmo ou outro, mas quem é que nunca o fez?...

Um dia confrontou-me: “o que é que tu queres desta relação?”

Definitivamente, não lhe soube responder logo, mas ela fez pressão. Disse que já tínhamos uma certa idade, não éramos nenhuns miúdos, eu tinha que saber o que queria, ela estava disposta a apostar em nós.

Eu confrontei-te do mesmo modo. Mas fui um pouco mais subtil. Perguntei-te o que é que tu pensavas disto, a outra tinha-me dito que me queria, e eu aqui, às tantas até sei o que devo fazer, mas quero que me digas se posso acreditar em ti ou não.

Como sempre foste evasiva. Nunca gostaste de aceitar responsabilidades. Os compromissos apavoram-te, eu sei, mas precisava de te perguntar.

Ficámos sem nos ver durante uns tempos.

Entretanto a outra pressionava, e pressionava.

Telefonei-te. Tínhamos que falar.

Encontrámo-nos no jardim. Tu tinhas um brilho diferente nos olhos. Como na primeira vez no parque de campismo, éramos tão novos, falámos em amor para sempre, em apostar numa coisa a sério, e no dia seguinte fui para a cama com uma ex-namorada.

Estávamos ambos na expectativa. Quem me dera não ter sido eu a telefonar, porque assim fui eu o primeiro a falar, a justificar o encontro, a necessidade, a urgência. Tivesses tu sido a primeira, e hoje seria concerteza diferente.

“Sabes, eu tenho estado a pensar, eu vou ficar com ela.”

Desvaneceu-se o brilho. Passaste à cordialidade e correcção.

“Sim, tu é que sabes, enfim...”

“Epá, eu com ela até me dou bem, e acho que podemos construir ali uma coisa fixe, sólida... algo com futuro, sabes?”

“Sim, sim...”, sorriste em amarelo, bochechas vermelhas – sempre foste tão boa em esconder as tuas emoções - “tu é que sabes, vais a ver é mesmo a melhor coisa que estás a fazer...”, e sorriste de novo, aquele sorriso que substitui o choro.

Houve um silêncio.

E foi aí que eu pensei, “sabes porque é que não fico contigo? É que com a outra eu sei com o que é que hei-de contar, no máximo dos máximos um par de cornos, mas isso não me molesta, porque, como te disse, já sei o que hei-de esperar. E de ti?, o que posso eu esperar de ti?...”



***

Já não ia a uma igreja há muito tempo. As minhas conversas com Deus costumam ter um tom monológico, mas volta e meia sinto uma certa necessidade de ir até à igreja, de procurar um consolo qualquer adveniente do facto de me prostrar ao altar, de joelhos, completamente vencido, nessa admissão da minha finitude, da minha impotência.

E, regra geral, sai-se sempre mais leve do que quando se entrou, como se um fardo enorme tivesse sido retirado das constas, dos ombros, dos ossos e músculos, do coração.

E foi quando saí, contrito, que comecei a ouvir na minha cabeça “quem diria que um dia... ora bolas esqueci-me do acorde, vamos lá outra vez. Quem diria que um dia... epá, esqueço-me sempre deste segundo acorde, não compreendo, mas vá lá, está a gravar, não está?, um, dois, três...”


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NPAF

O Crime às Vezes Compensa, Parte 1


…ora o que é que sucede? Sucede que ia ali muito bem, como quem vai para a estação dos autocarros, e aparece-me um gajo à frente…

- Arranja aí um cigarrinho!

- Não tenho.

- Arranja lá, man!

- Népia, não tenho!

- Então orienta aí uns trocos!

- Não tenho nada, gastei há bocado.

- Então mostra lá a carteira.

- Não uso carteira.

- Deixa lá ver os bolsos!

E nisto aparece um chino vindo de um qualquer bolso.

- Mostra lá isso.

- Larga-me!

- Chino-te todo se não me mostras essa cena!


Saltaram imediatamente uns esbaforidos 3 Euros e 85 cêntimos dum bolso hipócrita que se chibou.


- Estavas armado em herói, oh palhaço? Devia-te ter chinado! Vá, baza antes que te f*** os cornos!


E nisto o gajo foi-se embora.

Guardei o canivete à MacGyver no bolso esquerdo, os 3,85€ no direito e segui caminho.


Foi a primeira vez que fiz algo desta natureza, mas no dia seguinte, várias pessoas me olhavam com um respeito fora do vulgar, outras com o medo estampado no rosto, outras com o repúdio óbvio de quem trabalha uma vida inteira para ganhar muito pouco, enquanto que outros enchem os bolsos sem mexer o rabo.


A partir desse dia, decidi que o crime iria ser a minha vida…

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DACC

imagem: http://www.wilgerlaw.com/images/criminal-court.jpg

terça-feira, março 28, 2006

o óbvio post sobre o Benfica-Barcelona...




Hoje Portugal pára para ver a bola, o que não é nada anormal. Vi no outro dia uma situação que poderia ser uma metáfora perfeita para o nosso país. Acabava o Telejornal da RTP1 e sai-se o José Rodrigues dos Santos (penso eu que era ele) com esta: "não perca já a seguir o futebol, e logo depois o debate sobre o estado da nação"!
Lembro-me de comentar para o meu pai "Olha, isto é mesmo o retrato do nosso país, primeiro o futebol, depois o estado da nação".
E certamente que haverão hoje fanáticos do Porto ou do Sporting que irão puxar pelo Barcelona porque não toleram o sucesso dos seus rivais, mesmo que isso não interfira com os seus. Enfim, fanatismos há-os em todo lado, é a natureza humana.
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DACC

segunda-feira, março 27, 2006

Bob Dylan - Not Dark Yet


Shadows are falling and I've been here all day
It's too hot to sleep time is running away
Feel like my soul has turned into steel

I've still got the scars that the sun didn't heal

There's not even room enough to be anywhere

It's not dark yet, but it's getting there


Well my sense of humanity has gone down the drain

Behind every beautiful thing there's been some kind of pain
She wrote me a letter and she wrote it so kind
She put down in writing what was in her mind
I just don't see why I should even care

It's not dark yet, but it's getting there


Well, I've been to London and I've been to gay Paris

I've followed the river and I got to the sea

I've been down on the bottom of a world full of lies

I ain't looking for nothing in anyone's eyes

Sometimes my burden seems more than I can bear

It's not dark yet, but it's getting there


I was born here and I'll die here against my will

I know it looks like I'm moving, but I'm standing still
Every nerve in my body is so vacant and numb
I can't even remember what it was I came here to get away from

Don't even hear a murmur of a prayer

It's not dark yet, but it's getting there.



Copyright © 1997 Special Rider Music



quinta-feira, março 23, 2006

e como tal...

às vezes olho para o que acontece e choro. não de alegria ou tristeza, mas de desprezo... desprezo tudo o que se passa, seja ele importante ou não, relevante ou não... às vezes apetece-me simplesmente dizer mal de tudo, outras vezes há em que me apetece dizer bem de tudo... outras ainda há em que me apetece mandar tudo para o ******* porque me parece que ando a ser gozado à bruta. e no entanto, nada disto se revela ser verdadeiro...
normalmente sou simplesmente ignorado.
e como tal, está-me a apetecer ignorar tudo o que possam pensar sobre este texto ou qualquer outra coisa...
e como tal...
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DACC

segunda-feira, março 20, 2006

A notícia, a reflexão e a conclusão silogística

Este post surge na sequência de duas notícias que vi hoje, e que provocaram algumas reflexões concatenadas.

A notícia:
O número de toxicodependetes no Paquistão aumento cerca de 40% desde a "investida"norte-americana.
Com a invasão dos EUA, o mercado abriu (irónico, não é?), e as drogas baratas chegam com mais facilidade aos consumidores. A título de exemplo, uma dose de heroína custa um par de libras, o que, mesmo para o poder de compra do toxicómano paquistanês médio, é relativamente barato.
Entretanto uma associação de beneficiência começou a promover a assistência médica aos toxicómanos, bem como um programa de troca de seringas e campanhas de informação pelas escolas, não só acerca do perigo potencial derivado do uso de drogas, como acerca da transmissão do vírus da SIDA.
Acontece que no Paquistão, a troca de seringas é considerada ILEGAL, por supostamente promover o uso de drogas.

A primeira reflexão:
É um pouco o que sucede em Portugal quanto à instauração de "casas de chuto". Supostamente promovem o uso de drogas.

A segunda reflexão:
Seguindo a tradição anglo-saxónica que com tanta bravura foi inaugurada na colonização dos EUA, o homem branco continua a matar os autóctones com as suas investidas. E se não directamente, em chacinas mais ou menos discretas, pelo menos de maneira concumitante.
Bem como aconteceu com o advento do álcool para os índios nativos americanos: barato, acessível, e com grande poder de adicção para uma etnia que desconhecia as propriedades do álcool.
É a chacina de segunda linha.

A outra notícia:
A outra questão que me move está intimamente ligada com esta.
Acontece que ontem o sr. Hugo Chávez, presidente da Venezuela, calhou em apelidar o sr. Bush de burro, alcoólico, assassino e genocida. Assim, puro e duro, ao vivo e a cores.

A terceira reflexão acompanhada do momento de dúvida:
Quanto a esta atitude, tenho uma posição ambivalente, e ainda tenho que me decidir acerca da questão.
É que por um lado penso "ainda bem que finalmente alguém tem a coragem ou loucura suficiente para dizer o que muitos pensam"; por outro, penso "não é que eu não concorde, mas acho que não havia necessidade de uma besta provocar a outra, ainda mais no seu covil, convidando-a inclusivé a invadir o seu país".

A conclusão silogística:
Tendo em conta a notícia de abertura deste post, e o post anterior, já tomei a minha decisão.
Sr. Chávez, muito embora você não seja menos ditador e genocida que o outro, obrigado, sinceramente obrigado por ter finalmento ventilado o sentimento de mais de metade do mundo.
Que Deus Nosso Senhor o guarde no seu estalinismo marxista monolítico, e tantos anos no poder quanto a sua influência possa valer.
Se ainda houvesse cortina de ferro, neste momento estaria a ser construído em Moscovo um monumento em bronze à sua pessoa.
Mas enquanto não encomendam a obra ao Cutileiro, ficam aqui os meus mais sinceros agradecimentos.

NPAF

Clearly I remember picking on the boy...




Às vezes quase que me sinto farto de tanta lógica.
Não sei propriamente se é inveja ou razão, mas farta-me a lógica, principalmente a do mundo.
Porque é à logica que devemos o senso comum.
A opinião pública é, sem dúvida, a forma mais fácil de fazer filosofia barata, sempre muito pragmática, sem se deter por aí além perante dilemas morais ou éticos.
Por exemplo, vejamos o caso do portuga típico: o exemplar português é moralista, mas gosta de ir às putas. Se a vizinha do lado tem um marido que lhe bate, depressa se critíca e se aponta na mesa do café ou no balcão da merceeria, não só o marido que lhe chega bêbado e lhe dá nos cornos, como a ela, que coitadinha, não pode agora sair daqui, não tem ninguém que lhe valha, e mais depressa ainda se esquece que em casa se tem um sujeito que à noite, quando pensa que ninguém repara, vai até ao quarto da filha mais velha (que a mais nova ainda é muito pequena, ainda pode haver "problemas"), e lhe rouba carinhos proibidos.
É só um exemplo, não é para ser tomado à letra. Afinal de contas, a conversa pode-se dar num outro local, ou pode ser a mais nova ao invés da mais velha...
Não obstante, e retomando um pouco ao fio central, o moralismo convencional do senso comum revela igualmente o quão tacanhas são as pessoas. E têm uma tacanhez tão grande que às vezes chega a ser insultuosa e uma falta de respeito.
O que me leva ao ponto seguinte.
Tenho uma vizinha que, desde que me lembre, se me vía de manga curta em Março, perguntava "então, já chegou o Verão?", como que julgando o meu perfeito desmazelo, ou dos meus pais que me deixavam sair à rua assim, numa atitude que se situava algures entre o sarcástico e o superior.
Há pouco tempo, volvidos 20 e tal anos, o calor apertava, e calhou ela encontrar-me.
Adivinhem a intervenção dela...
Daí que conclua: o senso comum, a lógica dos coitadinhos, a linha de conduta dos desenrascados (que o que importa afinal é não ser nem muito esperto nem muito parvo, não é filho?, obedecer à autoridade e jogar pelas regras, mas se se puder pôr uma cunhazita, ninguém precisa de saber...), é sufocante ao ponto de às vezes, só às vezes, quando estou com o período, me apetecer simplesmente cagar de alto para as minhas convenções sociais, obliterar pura e simplesmente as minhas convicções mais profundas, ao estilo do Jeremy dos Pearl Jam, e pegar numa bela peça de armamento e começar a limpar.
Mas muito calmo. Quando estou em situações de pressão extrema fico muito calmo, doentiamente calmo - chamo-lhe o meu modo "super-guerreiro".
A única coisa positiva que vejo aqui, para além, como é óbvio, do meu deleite pessoal e despressurização da minha cabine de tolerância, será o progresso do país através da indústria do armamento, devido à necessidade de muita munição. Isso e um mundo melhor.
E porque raio é que a minha lógica há-de ser pior que a do mundo?

NPAF

quinta-feira, março 16, 2006

...


E nessa furtiva manhã, um novo olhar

Um sorriso expressivo – torrada e sumo de laranja

Janela entreaberta e uma nuvem – branco-sujo, não chuvosa

Ainda cheira à chuva da noite anterior

E a maresia continua a percorrer o horizonte distraidamente

Como se de um qualquer exemplo de vida se tratasse

Sorridentemente caminhando, do nada para o vazio

Consoante o calor ou o frio que se faça sentir

Libertando poesia nos olhares dos transeuntes – cada um no seu passo

Jornal e pasta no regaço, mala a tiracolo.

E nessa furtiva manhã, um novo acordar

Um desenho contemplativo, um qualquer oceano a transbordar

Na sua plenitude – observar a maré.

Escutar o silêncio ao fundo e entrar pé ante pé

No navio dos confusos, apregoar a salvação e voar

No milagre da eternidade, acreditar, pensar – conter.

Conter os segredos e inventar ilusões

Desembrulhar crucifixos e rebuscar paixões no baú dos coitadinhos

Até encontrar um qualquer tesouro que valha a pena

Seja ele em ouro ou em gangrena – vasculhar até ao fim

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DACC

foto: DACC

quarta-feira, março 15, 2006

Inconstâncias…


Palmada nas costas, pontapé no cú…

Reduz-se uma pessoa a um nível de insignificância quase sufocante…

E afinal porquê?

Palmada nas costas, pontapé no cú…

Palmada nas costas, pontapé no cú…

Respira fundo e não percas a calma

Que merda é esta afinal?

Paraíso e inferno em 30 segundos…

Palmada nas costas, pontapé no cú…

Palmada nas costas, pontapé no cú…

“Ninguém é melhor que ninguém, não se deve isto ou aquilo”

“Faço o que me apetece”

“Vão-se todos lixar”

Sorriso primeiro, escarradela depois

Homem primeiro, lixo depois

Quem é e não é? Não sou? Agora já sou…

Agora já não sou?...

Palmada nas costas, pontapé no cú…

Esta digo eu: FODA-SE!!!!!!!!!!!!

Mas é igual ao litro…

Quem manda és tu

Palmada nas costas, pontapé no cú…

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COSTAS E CÚ


Notas:

5€

10€

20€

Daí para a frente já é ser bruto…

segunda-feira, março 13, 2006

a yellow poem


My heart shaped box is feeling yellow
as yellow as its steel face
as yellow as golden passages of a layed down dream
as yellow as a glass of sour milk
as a sunny afternoon
as the fields of rye in the summer's heat
(I get so tired when I think...)

Curious how a colour can be so joyful
and so plain
yellow
When all seems rather usual and boring or exciting
a colour should give one the water it needs
(not as in plants, otherwise it would be green!)
and yellow certainly makes a difference!

All of this just to say
that allthough it doesn't rhyme
yellow
(even though it may not be always like this)
yellow
(I mean – there are so many colours in the rainbow, isn't that right Ms. Jones?)
yellow
has the strenght of a poem
yellow
has the power of a will
yellow
the lust of velvet
(yellow, of course, don't be childish)
the yellowishness of yellow


And don't worry
(have you ever?...)
my heart shaped box will get over it
And so will yellow

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NPAF

Memória Curta...



Já milhares de pessoas se referiram a este assunto, mas... como podemos nós ser tão selectivos em relação ao que consideramos acontecimentos históricos??
Ontem eram as eleições presidenciais que nos atafulhavam metade do dia televisivo, como se de uma batalha nunca antes vista se tratasse... Hoje... alguém se lembra disso?? Alguém fala nas questões que se debatiam efeverscentemente?
Na minha terra, aquando das eleições autárquicas, voaram panfletos a atacar a presidente da junta, que fez questão de utilizar o dinheiro dos contribuintes para espalhar a sua defesa, ainda para mais sujando o chão... Sentei-me nas mesas de voto, e assisti a um momento histórico: nunca tinha havido tanta afluência aos ditos boletins da democracia...
No fim, as pessoas empurravam-se para ver os resultados, enquanto eu muito calmamente cortava os pedaços de fita-cola para os afixar. Gritavam "mostra lá isso", e no fim, foi a euforia!! Urros de vitória ecoavam, a presidente dançava e telefonava aos amigos (do telefone fixo da escola claro!), dizendo as exactas palavras "demos-lhe uma sova histórica", enquanto os seus adversários por ali passavam.
Achei aquilo uma atitude inconsciente, e arrependi-me imediatamente do meu voto.
Mas o que mais me marcou foi que, no dia seguinte, os papéis continuavam no chão, mas os temas já não estavam em cima da mesa... Será que a simples eleição foi a solução de todos eles? Ou o problema era a eleição?
Desde aí, nada mudou, nem na minha terra, pouco no país.

Um tsunami varreu, se não me engano, cerca de 250 mil pessoas. Uma semana passada, já ninguém se lembra disso...
O Live8 foi anunciado como um "acontecimento histórico marcante, onde a música combatia a pobreza". A dívida aos países pobres não foi perdoada, continuou tudo na mesma, valeu exclusivamente pelo espectáculo, e acabou por fazer história unicamente pela reunião dos velhinhos Pink Floyd.

Parece-me que há demasiado a acontecer para que qualquer coisa possa entrar na história, a memória não é mais curta, está é a atingir o seu limite de capacidade...
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DACC

imagem: http://www.en.archiworld.it/home/immagini/urna.jpg

quinta-feira, março 09, 2006


Estou a ouvir o novo cd dos Gotan Project, "Lunatico".
Para quem estava à espera de mais do mesmo, desengane-se.
Não no sentido em que não seja tango misturado com electrónica, mas no ponto de vista da abordagem que lhe dão.
Se em "La revancha del tango" tínhamos uma abordagem mais nocturna, para uma audição mais recolhida e pessoal, em "Lunatico" há uma abertura, como num bom vinho que ganha corpo quando se deixa respirar.
Assim é este novo cd.
Mais aberto, com mais corpo, mais gostoso.

Começa com "Amor Porteño", uma música que faz lembrar aqui e ali uma sonoridade entre Llasa e Nick Cave.

Daí vamos para "Notas". A voz masculina marca logo a diferença, num canto falado sob um pano de fundo de uma batida marcada, mas discreta. Começam a aparecer aqui os jogos de cordas que encherão todo o álbum. E o "rhythm and poetry" da voz masculina domina aqui e ali o tema.

Passamos para "Diferente", o primeiro single do álbum.
Ok, quanto a esta música tenho alguma coisa a dizer, talvez porque tenha sido amor à primeira vista, talvez porque seja mesmo boa. Enfim, a cada cabeça sua sentença...
"Diferente" é daquelas músicas que cativa logo de rajada. Começa com uma batida vincada, que se vai manter aliás durante toda a faixa, e que funcionará como um "mantra", um repetitivo som que enebria até perder e recuperar e voltar a perder e a ganhar sentido. E este mantra contribui em grande parte para todo o crescendo e dinâmica da música, como se de uma leva brisa que se transforma em furacão se tratasse.
A voz entra, suave e discreta, um toque gingado de bandoleón.
E os jogos de corda a cruzar por detrás.
Lamento se as minhas palavras não conseguem transmitir o colorido que é o som desta música.
Ouçam o single. Perceberão o que digo.
(suspiro)

Estamos agora em "Celos". Um ambiente jazzado com o contrabaixo a marcar o ritmo acompanhado do piano, a bateria leve, varrida.
A voz surge com uma melodia bastante inesperada, e a música flui assim, ligeira, melancólica. O bandoleón marca presença, como não poderia deixar de ser.

O tema que se segue dá nome ao álbum.
"Lunatico" é uma lufada de ar fresco no tango.
Abre com uma malha clássica do tango, e já o corpo começa a imaginar um salão de baile, as luzes baixas, a dança, e entra a bateria, leve, num ritmo swingado que dá toda a magia à música.
Se ao menos "A Naifa" saísse do dois mais dois igual a quatro e começasse a pensar noutras coisas...

Bem, poderia continuar, mas para ser sincero, acho que já chega. Não quero ser nem dono da verdade nem estragar o prazer da descoberta deste (belo) cd.
São doze faixas de boa música, que vale a pena "adquirir" na discoteca mais próxima!
E, para quem levou a mensagem mesmo à letra, ainda vai ter que esperar um bocadinho. É que a coisa só sai lá para Abril!...

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NPAF

quarta-feira, março 08, 2006

Uma ou outra reflexão acerca do Dia da Mulher (para ser lido com uma pontinha de sarcásmo e inteligência!)

Hoje celebra-se o Dia da Mulher.

O Dia da Mulher é uma celebração in illo tempore do dia 8 de Março de 1857, quando operárias da indústria têxtil e de confecções realizavam, em Nova Iorque, a greve que assinalou o início da luta das mulheres pela igualdade de direitos laborais.
Até aqui tudo bem.
Concordo em, absoluto com o marco que este dia representa para a história da Humanidade Ocidental.
Vínhamos de uma revolução industrial abrupta, os tempos avançavam à velocidade do desenvolvimento exponencial dos emios de comunicação/transportes, êxodo da população rural para os grandes centros urbanos, exploração brutal do trabalho assalariado no geral, com especial ênfase para o infantil e feminino.
Daí até ao movimento sufragista foi um passo.
A batalha pela igualdade de direitos começava a desenrolar-se, e bem, para outros planos.

Entregaram-se, ontem e hoje, dois projectos-lei na Assembleia da República (AR) que prevêem um terço de mulheres nas listas eleitorais à AR, órgãos autárquicos e Parlamento Europeu.
Contudo há mulheres na AR e restantes órgãos executivos da política portuguesa e europeia.
Acaso há deputados de cor? Para quando o projecto lei que exija que um terço dos deputados seja de uma família étnica que não a caucasiana?

Será que os portugueses que votam são tão estúpidos ao ponto de não votar em alguém porque é mulher?
Podem ser, isso sim, estúpidos ao ponto de votar em alguém pela sua cor política, numa atitude acrítica e clubística, ao invés do projecto que 'a' ou 'b' apresenta.
Seguindo este raciocíonio, será então às elites dirigentes dos partidos políticos que são dirigidas as supra-citadas propostas.
Mas... se são essas mesmas elites que apresentaram esses projectos-lei??!!
... não faz sentido, pois não?
Não é para fazer!
É para ser o Dia da Mulher na sociedade e na política portuguesa.

Dixit!

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NPAF

terça-feira, março 07, 2006

A história quase verídica da quase-morte de um gajo qualquer



Eram 6 da manhã quando se levantou, porque o trânsito é uma merda, e um gajo quando se atrasa tem de aturar o quinto dos infernos e os outros.

Que fez?

Lavou a cara, os dentes, esfregou os ouvidos com um cotonete, tomou banho, secou-se, vestiu-se, comeu qualquer coisa, pegou no casaco e… ala que se faz tarde!

Já no carro, ligou o rádio para ouvir as notícias, coisa que sempre detestou mas que se obrigava a fazer, para ter algum motivo de conversa em comum com os seus enfadonhos colegas de trabalho.

Estava farto de os ouvir falar de tudo o que se passa na televisão, pois desde novo se enfadou deste meio comunicativo.

“Já viste o anúncio novo daquele perfume?”

“E a gaja do carro?”

“Então o primeiro-ministro quer fechar mais escolas?”

Nada parecia motivo interessante o suficiente para fazer conversa, pois quando nos mentalizamos que não queremos falar com alguém, seja em que circunstâncias for, tudo faremos para os evitar.

Várias vezes o convidavam para sair, mas desde aquela vez que nunca mais tinha acedido. Não que os colegas tivessem sido mais enfadonhos que o habitual, mas porque viu a pessoa de quem gostava agarrada a outro gajo qualquer. Não estavam a fazer nada, mas metia-lhe nojo o facto de ela não lhe dar importância alguma.

Foi para casa fazer a barba e cortou os pulsos com a lâmina.

No dia seguinte, no seu funeral, lá estava a pessoa amada a chorar descontroladamente, porque sentia que ele gostava dela, e ela também gostava dele, e parecia que tinham todo o tempo do mundo para se juntarem.

No dia seguinte, acordou às 6 da manhã, e que fez?

Lavou a cara, os dentes, esfregou os ouvidos com um cotonete, tomou banho, secou-se, vestiu-se, comeu qualquer coisa, pegou no casaco e… ala que se faz tarde!

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DACC

imagem: http://somostodosum.ig.com.br/conteudo/imagem/3570.jpg

quinta-feira, março 02, 2006

Lixo - Televisões implodem em vitórias morais...


Nos pequenos traços por baixo dos olhos
Onde se escondem as marcas do tempo
Na respiração ofegante de um dia constante
Onde se apagam as certezas invisíveis de um qualquer balanço
Independentemente do avanço – olhar para a frente e

Na instabilidade de uma infra-estrutura qualquer
Onde se queima o lixo que percorre a calçada que pisamos
No frigorifico, microondas, televisão, esferovite
Caixotes de papel, recipientes sem conteúdo
Anatomia de uma vida qualquer
Minuciosamente detalhada por circunstâncias que se vieram a suceder

Televisões implodem em vitórias morais
Latas de cerveja que choram por razões amórficas
Guarda-chuvas exorcizados pelas sagradas lágrimas de chuva que um dia à Terra caíram
Depois as multidões
De plásticos, metais e outras coisas mais

Respira-se saúde

Pacotes de leite que maltratam os filhos
Por terem sido retirados cedo demais da vaca mãe
Sinais evidentes de uma vida banal
Caixas de pizza, pacotes de batata frita, latas de cerveja
Onde se apagam dias sentidos, pedaços de momentos perdidos
Viagens a um mundo cerebral
Pujante na sua força criadora

Pacotes de bolachas
Pacotes de manteiga
Pacotes de detergente
Embalagens de caixas de pacotes de latas de feijão

Respira-se voluntariado
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DACC

imagem: http://static.flickr.com/1/196897_4326fa149a.jpg

infecções urinárias semanais...



O que quer que seja que me prende,
Seja lá o que for que me interesse,
Quer desça a rua a pé ou a rastejar,
Calçado, descalço, roto ou nu
A verdade é bem dita se se acredita.

Que entretanto sejamos espezinhados docemente,
Para que as flores não murchem em vão.
Dolorosamente instaladas as tubagens directas ao coração,
Sinto agora o sangue a correr.
As manchas do corpo a alastrar pelos solos férteis do Alentejo
Que os fios cruzados tropecem em ti e te levem a acreditar

Atiro um braço a um qualquer rival – não tenho rival
Tenho consciência disso e mentalizo-me do contrário
Só pelo gozo de poder mais tarde dizer que não fui eu
Ou simplesmente que estava fora de mim
Às vezes sou assim
Megalítico e primitivo – perdoem-me o precipitado juízo
Ou a momentânea falta dele

A partir de agora, apenas histórias que não me pertençam
Higienicamente mais puro
Respirar com intenção e não pensar demais
Ou mesmo abolir o pensamento
Deixa-me ir contigo mas carrega-me às costas
Mudas as conversas consoante as respostas
Vives a vida por mim e não te apagas nem te apegas
As ondas de infecção urinária tornam-nos mais sensíveis
Venham infecções urinárias semanais
Para disfarçar as nódoas negras e o reumatismo
(Se me é permitido tal eufismo…)
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DACC

imagem: http://www.bioatividade.hpg.ig.com.br/fotos_ilustracoes/Anatomia_ilustracoes/coracao.jpg

E a lição de hoje é...


Não sonharás que desejas ardentemente comer a namorada do teu amigo, nem que no sonho ela diga que eles já não estão juntos e te faça mesmo muitas festinhas sacanas.

(E não se preocupem, este amigo está longe e já não o vejo há algum tempo)

Acerca de um filme que vi...


Hoje falamos de filmes.
Primeira advertência: nunca fiz aquilo a que vulgarmente se chama"crítica de cinema", nem sei bem se o que estou prestes a fazer se poderá sequer enquadrar nessa categoria.
O que interessa é que tenho algo a dizer sobre um filme que vi hoje.
Não me julguem mal, e lembrem-se, é apenas uma interpretação. Há outras, concerteza.
Segunda advertência: os pensamentos estão um pouco na ressaca do filme, portanto, o mais natural é que possa parecer que amontoe tudo e não diga coisa com coisa.
Tentem ignorar esse aspecto.
Terceira advertência: se não viram o filme, talvez seja melhor não ler. Ou porque eu, da minha experiência, gosto de ser surpreendido com um filme, não levando preconceitos para a sala de cinema; ou porque talvez possa revelar mais do que queira e/ou seja desejável.
Vocês foram avisados!

Agora, vamos ao que interessa.

Hoje vi o "Match Point", do Woody Allen.
Antes de mais, o filme começa pelo fim.
Ignoremos de antemão a questão da crítica social e afins. Podia-se ir por aí, mas eu quero ir por outro lado.
"É melhor ter sorte do que ser bom".
E este é um bom tópico. Introduz-nos, se bem que ainda às apalpadelas, no dilema principal da trama: uma ética pragmatista versus uma ética dita "tradicional", ou "judaico-cristão", dos valores absolutos que se opõem.
Assim, temos uma frase que nos diz que é melhor, em termos práticos, ter sorte, fazer-te valer do teu "adequatio res ad intelectum" (definição medieval de "verdade", como a "adequação das coisas ao intelecto), ou seja, seres prático e estares-te nas tintas para os valores, porque esses não dão de comer a ninguém, do que ficares agarrado ao teu calor inexpugnável, mas que só te dá problemas.
Muito basicamente, é isto.
E esta trama, esta afirmação axiomática vai perseguir, como um fantasma, todo o desenrolar da história.

O filme é, a meu ver, baseado nos princípios da tragédia grega: temos um momento de apresentação do tema, um outro em que este se desenrola, um momento catárquico, aquando da morte da sua amante, e um outro, a conclusão final (desculpem não me lembrar dos temas, mas compreendam que estou de "ressaca" do filme!).
Acontece que o que o realizador faz é subverter totalmente este momento final.
Primeiro porque ao passo que na tragédia grega os dilemas que se apresentavam eram de uma ética a nível de espécie, de humanidade, transversais ao homem, e aos quais culturalmente era impossível escapar, aqui temos uma ética totalmente individualista. O problema que se lhe põe, e ao qual ele responde, aquando da aparição da figura do "coro", personalizados nos fantasmas das pessoas que ele mata, a esse problema ele responde com um grito de desespero. Ele gostava de ser apanhado só para que isso lhe provasse que havia uma réstia de sentido no mundo.
Temos então na personagem principal num paradigma do homem contemporâneo na sua sociedade multicultural: desenraízado, à deriva, numa busca desesperada por um sentido, totalmente a-religioso, totalmente des-sacralizado.
O segundo ponto para ser uma subversão da tragédia clássica: é que neste filme, reitero a ideia, o Bem e o Mal não existem. Existe, isso sim, um bom e um mau, isto é, aquilo que é bom para ti e aquilo que será mau para ti. É em função disso que ele faz a sua escolha, mas da forma mais pragmática possível, assegurando, qual derivação de uma animalidade, que "comes nesse dia". É em função disso que ele se sente ainda mais perdido. E é em função disso que o seu momento de redenção, quando ele dá a tal resposta, que ele se revela na sua mais profunda humanidade. A do reconhecimento da sua perdição, não obstante no momento a seguir já estar tudo bem, e se "aprender a calar a voz da consciência".

Em termos estéticos o filme está bestial.
Não se pretende que o espectador saia a pensar "então se fosses tu o que é que fazias", ouvindo-se respostas como "era fácil, dava-lhe a pílula do dia seguinte no cházinho e tudo ficava resolvido" - o que só revela, por ironia, a pertinência do filme bem como a sua actualidade - mas que se vá à estrutura por detrás disso, numa constatação muda que ultrapassa qualque valoração.
Não se fala de moral, de juízos de valor, mas de éticas opostas.
Nota muito boa para o momento de "tempo puro", aqui a lembrar Holderlin, do filme, quando o realizador cria todo um ambiente em que se atinge o pico da emotividade, quando a música (muito bem escolhida, obrigado Woody) sobe e se coaduna na perfeição de vermos, estáticos, o personagem na execução final do seu plano, matando a amante a sangue frio na encenação de um roubo.
Ali o tempo parou. Ali não havia nada senão dádiva de ser.
Mas, ao contrário de Holderlin (em estudo através de Heidegger e Deleuze), esse momento não provocou uma reviravolta sem retorno.
Aliás, a ter provocado, teria sido tão somente pessoal, e facilmente subornada pelo facto de aquele gesto lhe permitir continuar assegurada a sua próxima refeição.
E prova disso é o momento do "coro", os tais fantasmas.

O caricato é que na verdade, como que a provar que há um sentido, o detective encarregue de investigar o caso "sonha" com o deslindar do crime, exactamente, induzido talvez pelas presenças fantasmagóricas (os deuses do Olimpo, que de quando em quando metem o seu dedinho no caminho dos homens).
E o mais caricato é que a sorte leva a melhor.
Paradoxal.
Contudo, bastante real.

Espero que não vos tenha enfadado por demais.
E a tê-lo feito, que me contactem para que eu possa trabalhar para uma empresa de terapia de sono, e ganhar dinheiro com este dom de curar insónias.
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NPAF